PSICODRAMA E FILOSOFIA - ARTICULAÇÕES COM A PRÁXIS PSICODRAMÁTICA
Leonídia Guimarães- CRP 03/356
Psicodramatista Didata - Nível III
Texto resumo apresentado
na Mesa Redonda
Psicodrama, Filosofia e
Arte-conexões na prática.
X Encontro Nordeste de Psicodrama
Profint Profissionais
Integrados – Aracaju
Abril de 2013
As reflexões
que trago para esta Mesa Psicodrama, Filosofia e Arte – conexões na prática
decorrem dos meus primeiros estudos sobre as bases filosóficas do Psicodrama.
Datam de 1991, ano em que retomei minha formação em psicodrama pela ASBAP.
Naquela época, me empolguei tanto com os Seminários de Filosofia, ministrados por
Eliana Barbosa, professora de filosofia pela UFBA, que no final da disciplina
apresentei uma monografia de 39 páginas. A nota recebida foi dez, o que me deu
e ainda dá alguma tranquilidade sobre as conclusões a que cheguei. Não seria
muito “normal” confiar nessas conclusões, pois eu estava apenas no 1°semestre
do Curso, mas o detalhe é que eu já havia cursado um ano e meio de formação em
psicodrama, entre 1981/82. Então, cursar novamente esta disciplina, me deu a
chance de correlacionar melhor os
conceitos filosóficos estudados com a nossa prática psicodramática.
Neste estudo
monográfico que fiz sobre as bases filosóficas do psicodrama e a prática
psicodramática, começo analisando o que diz J.L. Moreno no Cap. VI do seu livro
Fundamentos do Psicodrama, a respeito do tema Existencialismo, Análise
Existencial e Psicodrama com ênfase especial na Validação Existencial. A panorâmica traçada por Moreno nesta 6ª.
Palestra divide a história do existencialismo moderno em três grandes períodos:
1- Existencialismo Cristão de Kierkegaard, surgido em
meados do século XIX;
2- Existencialismo Heróico ou Seinismo, surgido antes da
2a. Grande Guerra Mundial, no período de 1900-1920, representado por grandes filosóficos
como John Kellmer, Leon Tolstoi e Charles Péguy ; e o
3-Existencialismo contemporâneo de Heidegger e Sartre.
Este
movimento existencialista que Moreno se refere, inicia com a contraposição feita
por Kierkegaard a compreensão do indivíduo enquanto manifestação do Espírito
Absoluto a ser incorporado pelo sistema, conforme sugeriu Hegel.
Kierkegaard
insistiu na necessidade de apropriação subjetiva da verdade, ligando o pensar
racional a algo vinculado à raiz mais profunda da existência. Defendeu a
subjetividade e singularidade do ser humano, em defesa da liberdade e
responsabilidade individuais. Sublinha, dessa forma, as diferenças que são
características da subjetividade, de forma contrária a Hegel, que defende a
liberdade como razão de ser essencial de todo progresso em detrimento do
indivíduo livre.
Tomo essas
ideias de Kierkegaard , com quem Moreno conviveu por longo tempo, como uma das
bases filosóficas do Psicodrama e a crítica feita por Moreno à Kierkegaard, de
que este não conseguiu consolidar a sua própria existência, prejudicando a sua
vida particular à favor da Igreja Cristã, como um contraponto que nos remete ao
pensamento filosófico da Daseinsanálise (Análise Existencial) formulada
por Ludwig Binswanger (1956), da qual Moreno parece ser partidário. Para
Binswanger, o indivíduo deve ser convocado a concretizar a sua própria
existência, através da análise, vivendo e fazendo-se existir em atos, não apenas
através de palavras ou ideias.
Essas ideias
existencialistas são também semelhantes às considerações nos levam ao 2°período
do movimento existencialista, chamado de Existencialismo Heróico. Entretanto,
Moreno critica John Kellmer, Leon Tolstói e Charles Péguy, autores que se
destacaram como grandes pensadores deste período histórico- 1900-1920, atribuindo
aos mesmos uma “neurose de criatividade”, uma vez que, tal como Kierkergaard
não conseguiram dar à sua existência uma nova expressão de pensamento, ao isolar-se
do contexto histórico.
Moreno refere como verdadeiros representantes do Existencialismo Heróico a
filosofia Seinismoou Hassidismo, representantes
de uma “ciência do ser”, que expressava de forma plena a filosofia existencial
e fenomenológica, em que a ideia do Ser foi adotada e vivida, sem o reconhecimento
de limites entre passado-presente-futuro.
O Seinismo ou Hassidismo surgiu em Viena, antes da 2ª. Grande Guerra
Mundial e defendia o pensamento segundo o qual SER e SABER são inseparáveis.
Sendo que o Ser é uma pré-condição do Saber, pois a partir do Saber nunca se poderia
alcançar o Ser. Os princípios básicos deste grupo filosófico consistiram em
manter o fluxo natural e espontâneo da existência, sem ater-se ao passado ou ao
futuro, vivendo sempre no “aqui e agora”, com espontaneidade, liberdade e criatividade.
É dispensável dizer que é esta a postura filosófica básica do Psicodrama,
conhecida como a Filosofia do Momento, de Jacob Levy Moreno. Disto decorrem os
principais conceitos do Psicodrama, delineados por Moreno na Teoria Geral da
Espontaneidade.
Na terceira fase do movimento existencialista moderno, denominado de Existencialismo Intelectual Contemporâneo, figuram
como destaques Heidegger e Sartre no campo da filosofia e Jaspers, no campo da
psiquiatria. Esta fase ficou caracterizada por uma preocupação radical com o
conhecimento dos problemas da existência e adotou uma corrente de pensamento
essencialmente racional. Por isto Moreno não demonstrou muita simpatia por esta
corrente de pensamento, embora se atribua o conceito Moreniano de subjetividade
ao conceito de subjetividade de Sartre (que posteriormente teria sido ampliado
para incluir o fenômeno como histórico).
Sartre acentuou, inicialmente, a questão da subjetividade como verdade intersubjetiva,
que nesse sentido é a-histórica. Moreno, ao contrário, tomou a subjetividade
como um fenômeno histórico, tal como Marx e Husserl. A verdade intersubjetiva, como
fenômeno histórico, é considerada do ponto de vista da realidade objetiva e do
“aqui e agora”, sendo coconstruída a partir do conhecimento vivencial do indivíduo,
não apenas de suas ideias ou ideais, o que inclui pensamento, sentimento e
ação.
Além desses
estudos preliminares, baseados em Moreno, considero outras influências
filosóficas que podem servir de subsídios ao método psicodramático, particularmente
em relação à Sociometria, Psicoterapia
de Grupo, Sociodrama e dinâmica de construção do Eu traçada na Teoria dos
Papéis. Principalmente a dialética marxista; e os cinco principais conceitos da
fenomenologia existencial de Husserl: epoché (apriori), evidência apodítica,
intencionalidade, lógica da contradição e a intersubjetividade.
A DIALÉTICA MARXISTA
De acordo
com o método dialético proposto pelo
materialismo histórico de Marx, a realidade ou o indivíduo não podem ser
dicotomizados. O concreto é a síntese de múltiplas inter-relações. Por isto não
existe linearidade (causa e efeito absolutos).
Dessa
forma, cada fato ou fenômeno teriam múltiplas causas, formando uma rede de relações
intrínsecas de realidades subjetivas, que num dado momento existe e que por
isso é histórica. No entender de Marx, os cientistas naturais partiram do
idealismo, filosofia segundo a qual não é o mundo dos sentidos, em constante
mutação, que constitui a realidade e sim essências incorpóreas ou ideias.
O
materialismo histórico de Marx, em contraste ao existencialismo de Hegel, nos ensina
que o processo vital da realidade humana deve partir de homens reais e
atuantes, baseando-se na realidade objetiva que traz seus ecos ideológicos. Vimos
nesse ponto, uma correspondência importante entre os pensamentos de Moreno e de
Marx.
Em Husserl,
encontramos um conceito de transcendência que parte da perspectiva naturalista defendida
por Marx, proveniente do mundo dos sentidos, que também se aproxima do método
psicodramático, principalmente em relação ao conceito de realidade suplementar.
No que se
refere ao conceito de Deus, Moreno personaliza o seu conceito de Deus como Deus
-Eu, o que põe toda a responsabilidade sob o indivíduo, em mim e em nós, não em
uma abstração de Deus como espírito absoluto, onisciente, onipresente e de nós
distante. Trata-se de uma presença divina em nós, como “centelhas divinas”,
essencialmente livre, espontânea, criadora e que nos leva à intuição sensível da
existência de uma Inteligência Superior. Algo que se aproxima mais da filosofia
espiritualista, independente de discursos proféticos, encarnações de Deus ou sacerdócio.
Paralelamente
a isto, analisamos a correspondência do conceito de Encontro à filosofia do
eu-tu de Martin Buber. Hoje em dia já sabemos que não foi Moreno quem absorveu
este conceito de Buber, mas ocorreu o inverso, conforme os estudos de J.
Fonseca Filho.
Buber
acrescenta à ideia Moreniana do Eu-Tu, o conceito do Eu-isso. Do meu ponto de
vista, o Eu-isso se distancia das ideias de Moreno por nos remeter a uma lógica
hierárquica e contemplativa, diferente da proposta de proximidade,
horizontalidade e encontro real com o outro (Eu-Tu).
Já em
relação à Teoria Geral dos Papéis, consideramos que parte de um conceito
dialético ativo mais condizente com a Dialética Marxista, pois Moreno nos diz
que os papéis emergem das formas reais e tangíveis que o eu adota, formando uma
rede de relações subjetivas e intersubjetivas, lastreadas pela Tele e o
Encontro.
Resta-nos agora examinar de que forma
a Fenomenologia Existencial de Husserl
pode articular-se à nossa práxis psicodramática.
NOÇÃO GERAL DE FENOMENOLOGIA
A palavra fenômeno (aquilo que
aparece) foi usada na filosofia desde Platão e Aristóteles e adquiriu no
decorrer do tempo um sentido cada vez mais subjetivo. Em Husserl essa noção se desliga
completamente da relação a qualquer objeto exterior à consciência, referindo-se
ao fenômeno puro e ao objeto imanente conforme aparece na consciência.
A palavra
fenomenologia foi usada inicialmente por Lambert, em 1764, e assumiu o significado
de “doutrina da aparência”. Posteriormente foi usada por Kant e, sobretudo por Hegel,
mas sempre num sentido diferente daquele que lhe deu Husserl.
Em sentido
corrente, a palavra fenomenologia deriva de logos (razão, descrição). É usada
para descrever ou dar razão íntima ao fenômeno. Contudo, recebe a partir de
Husserl um significado particular: Husserl diz que a fenomenologia é
principalmente um método filosófico e uma atitude especificamente filosófica
que consiste em depurar os fatos através de cinco princípios básicos:
1-
Epoché ou
Apriori – colocação entre parênteses de tudo o que não oferecer garantia
suficiente de uma Evidência Apodítica. Isto significa que deverá haver total ausência
de pressupostos à vivência: “Não é das
filosofias que deve partir o impulso da investigação, mas sim das coisas e dos
problemas” (Husserl).
2-
A Evidência Apodítica é aquela que parte da intuição pura e
sensível, intelectiva e universal, e que toma como objeto de investigação o
fenômeno puro. A respeito desta consciência
intersubjetiva, não poderá haver nenhuma dúvida, já que a evidência emerge da própria
vivência. Este é o fundamento radical de Husserl: investigar o fenômeno puro
cujos fatos possam ser evidentes por si mesmo. A vivência deve excluir as dúvidas
de modo absoluto e imediato, tal como um reflexo ou autorreflexão esclarecedora
do sentido da coisa em si. Como chegar à
Evidência dos fatos?
Esta noção de evidência está estreitamente relacionada ao conceito
de intuição e pode caracterizar-se como (1) uma evidência de sentimento, que
parte da intuição sensível; (2) confirmação através de uma Imagem Mental, que
parte da intuição intelectiva; (3) da evidência de conceitos universais, que
pode ser apreendida através da presença do objeto (intuição eidética); ou
ainda, através de uma recordação ou imagem (intuição originária, também chamada
de percepção no sentido estrito).
3- A INTENCIONALIDADE
A
intencionalidade parte do eu e invade temporariamente os dados materiais, unificando-os
em ordem à constituição e designação do objeto enquanto consciente e significado.
Por exemplo, a construção de uma imagem psicodramática, nos informa os dados
materiais da vivência e dá origem à sua compreensão intersubjetiva. Isto representa
para Husserl, o elemento real da vivência, chamado de Nóesis.
A
compreensão dessa imagem é projetada ao objeto e vai formular um sentido original
para o autor, plasmado pela vivência objetivamente orientada. A este sentido da
imagem ou vivência, Husserl chama de Noema.
O Noema é o elemento irracional ou intencional da vivência, aquilo que se
investiga. Este elemento irreal da vivência encontra um sentido ou
intencionalidade que é expressa pela relação existente entre o objeto
intencional e seu sentido objetivado. Por isso, a vivência permite uma
transcendência para um polo oposto ao eu, que permite ao protagonista
observar-se à distância e, ao mesmo tempo, ser parte essencial da imagem (no
caso exemplificado).
Essa
transcendência se efetua na imanência. O objeto intencional difere do objeto
real existente em si mesmo, como algo exterior à consciência (podendo ser
representações de pessoas, objetos e sentimentos). Foi dessa forma que Husserl
chegou a um idealismo transcendental fenomenológico, admitido por poucos. Exemplo:
o sentimento existe enquanto qualidade (amor), independente de que realmente exista
um objeto intencional (alguém, outra pessoa).
Tudo isso
se contrapõe ao pensamento de Sartre e seu conceito de transcendência. Sartre
considera o fenômeno como histórico pelo fato de existir objetivamente a
evidência da relação sujeito-objeto. Diga-se de passagem, que esta máxima é
adotada pela teoria do conhecimento, independente de haver ou não um objeto
exterior à consciência. Neste sentido, muda-se apenas o enfoque da necessidade
da ação para conseguir-se a transcendência ideacional do objeto e a partir daí fisgar
os seus sentidos.
4- A LÓGICA DA CONTRADIÇÃO
Husserl
argumenta, ainda, que as leis reguladoras do ato e do conteúdo não são as
mesmas; se assim fosse, teríamos que reger os conteúdos pelas leis que regulam
os atos. Dessa forma, opõe-se ao pensamento adotado pela Psicologia
Experimental. Neste confronto com o pensamento reinante, diz que a verdade que se
refere ao conteúdo depende exclusivamente do processo psicológico que se refere
ao ato, levando ao subjetivismo e relativismo da verdade. Husserl considera,
então, que a verdade é objetiva e absoluta e, vê aí uma contradição lógica. Daí, afirma que se dá justamente o contrário:
é o ato que depende das leis do conteúdo, para estar em conformidade com a
matemática. Nesse ponto, Husserl rompe com a lógica formal e parte para o
estudo do fenômeno puro, formulando a lógica da contradição ou a lógica da
verdade, que se manifesta como impulso reflexo de evidenciação.
5-
A
INTERSUBJETIVIDADE
Quando a
objetividade se fundamenta pela relação a um objeto exterior, basta provar esta
imposição como necessária, para garantir sua validez. Entretanto, se o objeto for
considerado como meramente significado, o único modo absolutamente válido de
garantir sua existência é esclarecer que o conhecimento dele não é meramente
subjetivo, em única direção, e sim intersubjetivo, em direção dupla. Dessa
forma fica afastada a ideia de anomalia individual. Segundo Husserl, graças a
uma espécie de intropatia, constitui-se a sua noção de consciência
transcendental que permite que outros eus existam como sujeitos cognoscentes,
idênticos a mim mesmo. Para Husserl, o objeto intencional é constituído de
intersubjetividade e ocorre em dupla direção. Este fenômeno resulta em evidência,
transformando-se em verdade.
Ao término
desse estudo, realçamos algumas correlações metodológicas entre o Psicodrama e
a fenomenologia de Husserl:
1- O conceito de Intersubjetividade
husserliano, encaixa-se nas noções de Tele e Encontro;
2- A lógica da contradição é
semelhante à proposta do “faz de conta” do Psicodrama, durante a dramatização
que segue em busca da verdade;
4-
O conceito de Intencionalidade corresponde ao valor
dado à vivência e representação de personagens ausentes à sessão (como o
ego-auxiliar, pessoas e objetos usados na construção de Imagens Psicodramáticas);
5-
O
conceito de Evidência Apodítica se insere na isenção ao uso da interpretação, busca da compreensão
vivencial, estimulação à intuição sensível.
6-
O
“apriori”, que é um dos nossos princípios básicos: a entrada em cena com textos
espontâneos, improvisados no placo, com apelação à espontaneidade e criatividade,
inclusive do terapeuta que deve isentar-se de qualquer juízo anterior à Cena ou
Imagem, e que segue em busca dos sentidos esclarecedores dos conflitos, fazendo
atuar fantasia e realidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GUIMARÃES, Leonídia A. Bases
Filosóficas do Psicodrama e a Prática Psicodramática. Mimeo. Seminários de
Filosofia da Associação Bahiana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo- Asbap.
Salvador, 1991.
___________________In Aspectos teóricos e filosóficos do psicodrama. Capítulos 2 e 3. Ano 2000. Disponível no site da Federação Brasileira de Psicodrama. Consulta: www.febrap.org.br Em: 16/04/2013.
MORENO, Jacob L. Fundamentos do Psicodrama (1959). Tradução de Maria Sílvia Mourão Neto. São Paulo: Summus, 1983.
Leonídia Guimarães
Contato: leoguimas05@gmail.com
Whatsapp (71)98454-8804
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