Teoria da Espontaneidade do Desenvolvimento Infantil - TEDI
Principais Conceitos da TEDI
Por Leonídia Guimarães
Conceito operacional: a espontaneidade é uma resposta nova a uma
situação nova ou uma nova resposta a uma situação antiga ou circundante. A
palavra vem do latim sponte que significa “de livre vontade”
(Moreno).
Para Moreno a espontaneidade é uma função inata e
cultural, positiva e criadora, construtiva e adaptável, por isso está ligada a
todos os aspectos do desenvolvimento orgânico, mental, psicológico, social e
espiritual do ser humano. Moreno se recusa a restringir as manifestações
espontâneas, inclusive em seus aspectos patológicos, acreditando que através da
espontaneidade, o próprio indivíduo e grupos sociais, seja capaz de adaptações
plásticas, originais e criativas, a qualquer tipo de situação.
“A espontaneidade
e sua liberação atua em todos os planos das relações humanas quer seja comer,
passear, dormir, ter relações sexuais, ou relacionar-se socialmente;
manifesta-se na criação artística, na vida religiosa e no asceticismo... atua
como o processo de respiração, inalando a psique e exalando espontaneidade...
não é energia conservada, é uma disposição a responder tal como é requerido...
responde ao impulso, servindo de mediadora da ação espontânea e criativa e
produzindo as conservas culturais”. J.L. Moreno.
Moreno refere-se às patologias da espontaneidade
como respostas inadequadas às novas situações, citando, por exemplo, a
transferência como uma patologia da tele. Teoricamente, a espontaneidade
situa-se numa zona intermediária entre os componentes orgânicos e ambientais,
recebendo a influência de ambos, mas escapando ao controle destes para ligar-se
a tele, outro conceito fundamental da teoria Moreniana que representa “a
menor unidade de sentimento entre duas pessoas”(Moreno).
Tele consiste, basicamente, na capacidade de
diferenciar pessoas, coisas e objetos como partes separadas de si mesmo e
comunicar-se empaticamente, respondendo com afeto, rejeição ou neutralidade
vincular, o que supõe certa indiferença ao outro, seja por falta de proximidade
física, conhecimento emocional ou diferenças de interesses e valores socioculturais.
Seguindo esta leitura do conceito de tele, a capacidade de fazer diferenciações
está diretamente ligada aos processos de desenvolvimento infantil da TEDI, e as
respostas espontâneas para a formação de vínculos (afeto, rejeição,
indiferença) sofreriam estas influências, a partir de uma leitura sociométrica
das relações vinculares, tomando-se as relações interpessoais como formas
espontâneas de desempenho de papéis (sociodinâmica de papéis).
Dessa forma, em sua dimensão
individual a espontaneidade conjuga-se à tele e em sua dimensão social projeta
a fundamentação da Teoria dos Papéis, mediando as relações indivíduo - meio
ambiente (Garrido).
A espontaneidade está ligada aos processos de
nascimento e desenvolvimento da personalidade, através da adoção infantil de
papéis psicossomáticos, psicodramáticos e sociais, bem como às formas de aquecimento
preparatório anteriores e simultâneos à ação espontânea de desempenho de
papéis, dando acesso à adoção, treinamento e criação de papéis e à produção das
conservas culturais. Percorre, dessa forma, o desenvolvimento da Matriz de
Identidade Infantil e a Teoria dos Papéis, e durante o processo de Socialização
e formação da Personalidade, na Matriz Social, vai fundamentar a dinâmica
sociométrica dos processos de evolução grupal.
2. Formas de Espontaneidade:
2.1. Formas de espontaneidade
para a adoção infantil de papéis ou apropriação de PAPÉIS PSICOSSOMÁTICOS
Impulsos de Auto-Arranque: espontaneidade que se dirige à ativação das conservas culturais
(Garrido). Esses impulsos, chamados por Moreno de auto-arranques são
classificados como Iniciadores ou arranques físicos, mentais, sociais e
psicoquímicos que quando são ativados ou estimulados dão início ao processo
de aquecimento preparatório para a ação (Warming up). Estes estímulos se
concentram numa ZONA e dão início a uma ação interpessoal, desencadeiam reações
que dão início a determinado FOCO que põe em atividade o desempenho de papéis.
Por exemplo, o ato de amamentação é representado
pela criança e pela mãe, destacando-se aí, uma zona interpessoal, que se
estende do foco orgânico (fome-leite) para o ambiente, através de uma reação
espontânea da criança, (fome-choro) seguida da complementariedade materna, cujo
foco orgânico (intumescimento dos seios dado à produção láctea) conduz à
disposição natural de alimentar a criança; dessa forma o ato de amamentação
concentra dois focos de origem orgânica numa única Zona, o que chamo, no
esquema abaixo, de zona de ação interpessoal, como se vê a seguir.
Incluímos neste esquema a “zona de ação
interpessoal”, para destacar a presença simultânea de dois Focos numa mesma
Zona (contribuição nossa).
A noção de zona de ação interpessoal amplia o
conceito de zona oral usado por Bermúdez, embora não esteja em desacordo com o
que diz o autor:
“Em Psicodrama, chama-se de
Zona o conjunto de elementos próprios e alheios, atuantes e presentes, que
intervêm no exercício de uma função indispensável. A zona oral, por exemplo,
não é somente a boca, mas a pele e a mucosa dos lábios, as bochechas, a língua, o istmo das
faces e as unidades neuromusculares correspondentes por um lado, e o mamilo, o
seio, o leite, o ar, a transpiração, por outro. A zona envolve, pois, elementos
orgânicos e extra-orgânicos, que estabelecem fortes laços de união entre o
indivíduo e seu meio ambiente. Estes laços são reforçados cada vez que a Zona
entre em funcionamento, isto é, quando todos os seus componentes coincidem em
um foco. É neste contato repetido e prolongado que os papéis psicossomáticos adquirem
seu total desenvolvimento e maturação, e assentam as bases para o
desenvolvimento ulterior dos papéis sociais e dramáticos”(Bermúdez, Introdução ao Psicodrama, p. 59).
Segundo Moreno, a adoção infantil de papéis psicossomáticos
exige um grau mínimo de espontaneidade, dado ao caráter genético e
neurofisiológico dos impulsos orgânicos de auto-aranque (focos de estímulo) que
se centralizam numa zona e dão início ao processo de aquecimento preparatório
para o ato (Warming up). Sua importância se deve ao fato de “fortificar e
unificar o eu”, vinculando ao Eu “unidades de experiências conservadas”
(Moreno).
Para o desempenho desses papéis psicossomáticos, a criança
necessita de um Ego-Auxiliar que atue em co-ação, co-existência e
co-experiência, papel inicialmente representado pela mãe, e pelo grupo social
mais próximo (átomo familiar e sócio afetivo). Outro exemplo de papéis
psicossomáticos, citado por Moreno, é o papel sexual (ato sexual, sexualidade).
2.2-Formas
de Espontaneidade para a adoção e desempenho de PAPÉIS PSICODRAMÁTICOS:
2.2.1-QUALIDADE
DRAMÁTICA: Resposta adequada a novas situações. Espontaneidade que se
dirige à adaptação plástica do desempenho de papéis, em novas situações. Moreno
cita três formas de expressão de espontaneidade como respostas adequadas a
novas situações, que representam o desenvolvimento de papéis psicodramáticos:
Não-reação: como dormir, calar-se, não reagir à situação de perigo;
quando o melhor é ficar quieto, colocar-se como espectador-aprendiz;
Acomodação: utilização de uma experiência anterior, adaptando uma nova
resposta à velha situação;
Resposta adequada : avaliação da nova situação e solução apropriada.
2.3-Formas de Espontaneidade para o desempenho de PAPÉIS
SOCIAIS:
4.3.2-ORIGINALIDADE:
Criação livre de expressão. Espontaneidade que se dirige à formação de
livres expressões da personalidade. Acrescenta algo novo à conserva, embora
exija menor criatividade, pois não produz uma essência nova, sendo apenas
original (Garrido). O treinamento destes papéis (Role-Playing) exige como
parâmetro modelo fixo de papéis que são estabelecidos pela cultura como formas
de desempenho de papéis sociais.
2.2.3- CRIATIVIDADE:
Aquisição Cultural. Espontaneidade que se dirige ao nascimento e a criação
de um novo indivíduo, novas estruturas sociais e novas formas de arte e
cultura. Exige alto grau de Espontaneidade - Criatividade (Role-Creating) e
produz conservas culturais, após a sua criação.
Ver o diagrama da Espontaneidade-Criatividade (MODELO FIXO) de
Moreno, no livro Psicodrama, e em Garrido - J.L.Moreno: Psicologia do Encontro.
Desenhamos, na página seguinte, uma aproximação deste Modelo,
colocando setas circulares, em espiral constante, para representar os processos
de aquecimento preparatórios (Warming up), ou focos de estímulos de auto
arranques físicos, mentais e ambientais, conectando os movimentos de
espontaneidade, criatividade e criação de conservas culturais. A ideia é
sugerir que este movimento em espiral possa incluir não apenas a espontaneidade
e a criatividade como processos formadores de conservas, o que de fato permeia
o pensamento de Moreno, embora ele não expresse diretamente essa ideia de que
as conservas culturais possam também gerar espontaneidade e criatividade,
preferindo considerar as conservas culturais como matérias mortas.
2. Catarse de Integração, Processo de Aquecimento e Conceito de
Zona
O ato do nascimento é, para Moreno, a primeira Catarse de
Integração realizada pelo indivíduo e o período da gravidez ao processo de
parto, o processo de aquecimento preparatório para a Catarse de Integração
final, trazendo para fora o próprio indivíduo, como ator social e espontâneo.
Representa para Moreno uma forma de espontaneidade, na medida em que é uma nova
e adequada resposta do indivíduo a uma nova e antiga situação.
Esse ator “sem palavras e quase sem córtex cerebral, vê-se
compelido a formar o seu mundo na base de zonas pequenas e fragilmente
relacionadas, as quais estão desigualmente espalhadas por todo o
corpo”(Moreno).
Cada processo de aquecimento preparatório para um ato se
concentra em determinadas zonas como a visual, nasal e oral, que são
intensamente ativadas durante o aleitamento materno, a partir de um foco que
funciona como seu lócus nascendi (fome, sensação de vazio no estômago,
dor, inquietação) cuja função é concentrar a atenção da criança nas suas
sensações corporais e produzir um ato espontâneo (choro). Cada foco tende a
localizar-se numa zona, entretanto Moreno não adota a classificação de zonas
oral, anal ou genital. Admite a existência de zonas sociometricamente
relacionadas, das quais, por exemplo, a boca ou o ânus é uma parte. Dessa
forma, a zona anal, cujo conjunto de músculos é ativado durante o processo de
aquecimento para o ato de eliminação, possui um foco principal diferente do que
foi ativado inicialmente durante o processo de alimentação, mas não exclui a participação
das outras zonas, uma vez que todo o organismo participa do ato. Neste sentido
“sociométrico” a zona é uma área de ação que converge para determinado foco.
3. Matriz de Identidade
Segundo Moreno a Matriz de Identidade “é a placenta social da
criança e o lócus do processo de aprendizagem emocional dos primeiros papéis”
no âmbito do processo de desempenho de papéis e do modelo de adoção,
representação e inversão de papéis – role taking, role playing e role creating
(Moreno).
Dessa placenta social depende a satisfação das suas
necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais. O primeiro grupo social ao
qual a criança se vincula é a família e, a partir dessa Matriz de Identidade
Social, passa a absorver as características socioculturais do seu contexto
histórico, sua herança filogenética, ontológica e antropológica.
Segundo J.L. Moreno o desenvolvimento da Matriz de Identidade é
dividido é duas etapas: Primeiro Universo e Segundo Universo Infantil,
separados pela Brecha entre Realidade e Fantasia. Essas etapas percorrem as
cinco fases evolutivas do desenvolvimento infantil, da seguinte forma:
1ª.Fase-Identidade Total Indiferenciada: pessoas, coisas
e objetos, é formalmente uma parte da criança, não existe nenhuma diferenciação
entre o que ocorre dentro e o que se passa fora como algo distinto de si mesmo,
pois não existe o EU, o ingresso na Matriz de Identidade vai permitir o
desempenho de papéis e através destes, a percepção de si mesmo como unidade
separada da experiência.
2ª. Fase-Identidade Total Diferenciada: a criança começa
a separar-se a continuidade da experiência, “concentra-se na outra parte e
estranha parte dela”(Moreno). Pessoas, coisas e objetos se destacam como uma
prolongação de si mesmo, mas reconhece apenas o outro. Fase do Duplo.
3ª. Fase-Identidade Parcial Diferenciada: a criança se
separa da continuidade da experiência, concentrando-se nas suas próprias
sensações corporais e deixando de fora todas as coisas, objetos e pessoas. Esta
fase consiste em separar a outra parte e incluir a si mesmo. Fase do Espelho.
4ª. Fase-Inversão Parcial de Papéis: a criança começa a
separar fantasia e realidade colocando-se ativamente na outra parte, joga
papéis imaginários com pessoas, coisas e objetos e faz o reconhecimento das
suas posses. Neste momento tudo é dela, começa a estabelecer “Relações em
Corredor”(Fonseca) e “representa o papel de outra pessoa em relação a coisas e
objetos” (Moreno). Ingressa no 2º. Universo Infantil, ao ser estabelecida esta
brecha entre fantasia e realidade.
5ª. Fase- Inversão Completa de Papéis: a Matriz de
Identidade Total e Diferenciada se dissolve e a criança ingressa na Matriz
Social, invertendo papéis com pessoas, coisas e objetos. Reconhece-se como EU e
passa a jogar ativamente o papel de outra pessoa que, por sua vez, representa o
seu próprio papel (filho, irmã, irmão). Fase de Inversão de Papeis.
Moreno não especifica cronologicamente a evolução dessas fases,
dizendo apenas que as duas últimas ocorrem mais tardiamente e que este processo
de desenvolvimento se completa por volta dos três anos de idade.
Fonseca considera três fases como específicas: Indiferenciação,
Reconhecimento do Eu e Reconhecimento do Tu.
Rojas Bermúdez utiliza as fases da Matriz de Identidade para
acrescentá-la ao seu esquema teórico do Núcleo do Eu, trazendo a noção das três
áreas de Pichón Rivière (corpo – mente - ambiente). Segundo a teoria do Núcleo
do Eu, o papel de Ingeridor se completa aos 3 meses de idade (2ª. Fase da MI),
o papel de Defecador se completa aos 6 meses (3ª. Fase da MI) e o papel de
Urinador é estruturado por volta dos dois anos, na 4ª. Fase da MI, e se
complementa através do Esquema de Papéis, que corresponde ao ingresso na Matriz
Social (5ª.fase).
SÍNTESE
I- Conceito de Zona de Ação Interpessoal
BEBÊ -----FOCO-----FOME X MÃE ----FOCO----LEITE
II-
REAÇÕES: Inquietação - Choro – Dor - Produção de leite X temperatura – som -
luz – contato- calor - odor
III-
Configuração de Papel: Boca -sucção - alimentação – Seio X Papel Psicossomático
de Ingeridor (Comedor)
RESUMO DA TEDI
UNIVERSOS
|
DESCRIÇÃO
|
TÉCNICAS
Clássicas
|
MATRIZ
|
ÁTOMO
SOCIAL
|
PAPÉIS
|
Dinâmica
de
PAPÉIS
|
Primeiro
Universo
|
1.
Completa e espontânea
Identidade mãe-filho
2. Transição: a criança concentra sua atenção na
outra parte e estranha parte dela
3. Separa a outra parte da continuidade da
experiência e deixa fora as outras partes, incluindo ela mesma.
|
Ego-
Auxiliar
DUPLO
ESPELHO
|
Matriz de Identidade Total Indiferenciada.
Matriz de Identidade Total Diferenciada
|
Átomo
Sóciocultural
|
Papéis
Psicossomáticos
Ingeridor
Defecador
Urinador
|
Role
Taking
Sensação
Ingestão
Expulsão
Retenção
Controle
|
Brecha entre
Realidade
Fantasia
|
Transita entre Realidade e Fantasia
|
Realidade
Suplementar
|
Matriz Simbólica
(SELF)
|
Átomo
Afetivo
|
Papéis Psicológi-cos e / ou Patológicos.
|
Unificação/ Integração
|
Segundo
Universo
|
4.Coloca-se
ativamente na outra Parte e joga o seu papel
5. Coloca-se na outra parte e joga o seu papel a
respeito do outro
|
Inversão parcial de Papéis
Completa
Inversão
de Papéis
|
Matriz
Familiar
Matriz
Social
|
Átomo Familiar
Átomo
Social
|
Papéis
Psicodra-máticos
Papéis
Sociais
|
Role
Playing
Role
Creating
|
Leonídia Guimarães
Email: leonidiaguimas@yahoo.com.br
Texto produzido para Sala de Aula. ASBAP. Salvador, Julho 2005.
Bibliografia Indicada: J.L.Moreno (Psicodrama); J.G.Rojas Bermúdez
(Teoria y Técnica Psicodramática); M.Garrido (Psicologia do Encontro).
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