VIAJAR É PRECISO

Crônica publicada no Jornal A Tarde, por Moacir Alfredo Guimarães

Viajar é preciso

Tarde brumosa. Há poucas horas deixei para trás as águas azuis dos mares brasileiros. Rio Grande, último porto. Lembro-me da manhã bonita que fizera agora, à tarde, só resta avistar Punta Del Leste. Fria, estranhamente fria. De uma frieza que sinto vir de dentro de mim mesmo.
A praia se espreguiça no horizonte cor de saudade. O vento corta dolorosamente os pensamentos que trazia comigo de lá de minha querida Bahia. Sinto a nostalgia de quem é um estrangeiro dentro de si próprio. Como dói quebrar um elo. E foi em ti, navio de minha vida – Cabo de São Roque- que me levas a Buenos Aires e Mar Del Plata, onde encontrei finalmente o meu rumo certo. Último rumo. Ou os primeiros passos.
Sei que não é este o espírito de quem vai a um baile carnavalesco nas boites de bordo. Retiro-me pensativo e sombrio da amurada. Embora boêmio, não posso esquecer que esta viagem é um marco. Ganhei esta viagem. Esta e muitas outras que hei de fazer. Tanto as que vou realizando através do mundo, como as que faço em torno de mim mesmo. C´est La vie.
Ainda não havia me recuperado da viagem extravagante que fizera a Argentina e eis que passa pelo nosso porto um navio – o Ana Nery. Um telefonema amigo e lá vou eu novamente comprando passagem à bordo. Era preciso viajar.
À noite, a boite em festa, me convidava a dançar. A animadora de bordo, uma morena bonita, organizara um programa para animar os turistas. Concurso de danças.
- O Sr. De camisa de quadros com a dama de azual, ali daquela mesa.
Éramos trinta pares sorteados, assim sem maiores conhecimentos, dentro do salão. A minha dama era linda como os amores. Loura, jovem, esguia, um primor de mulher. Começamos a marcar uma quadrilha sertaneja. Os passos a animadora dirigia, espetacularmente. Acertava todos. Acostumado que sou com as danças do sertão.. Os que erravam iam saindo, com protestos, sempre sob a batuta da animadora exigente. Éramos, já agora, doze pares e a orquestra atacou uma valsa. Primeiro lentamente, para depois se transformar em valsa rodada, rodopiada, ligeira, destas que deixam de fora rapazes desacostumados às músicas antigas. Reduzidos a seis, valsávamos ainda na pista heroicamente. Foi aí então que começou a prova realmente dura. Um manbo, um swing, um Fox-trot, uma velha polca paraguaia, um rock estridente. Depois veio um samba de roda, um baião, samba lento, samba de morro com breque, xaxado, blue e um charleston com sapateado. Os pares iam sendo eliminados. Um maracatu, de Gil. Ficamos reduzidos a dois pares. Eu e um paulista. A esta altura já me acostumara com minha dama. Conversávamos tudo...Estava alegre, de uma alegria que  sentia  me fazer bem ao velho coração.
- Um tango argentino!
Partimos, os dois pares, em acrobacias que nunca pensei realizar... E agora a prova de fogo: - Um frevo pernambucano  legítimo (e a morena nos deu uma sombrinha).
Aí eu me espalhei. Dancei mais de dez minutos o frevo, dando passos e mais passos... Era o frevo de Caetano “Atrás do Trio Elétrico/ Só não vai quem já morreu” – cantando com a dama nos braços, fomos aclamados Rei e Rainha do baile. Restava apenas nós no meio da pista. Eu, de cócoras dando passos com a sombrinha nas mãos.
A moça, a linda Vilma, me tomou pelo braço e foi até sua mesa.
- Meu noivo.
Olhei, com raiva, um garotão simpático, amulatado, cabelos compridos, que me olhava como se eu fosse bicho raro... Ele se parecia com o meu filho caçula – o Jorge.
- É, quando te sortearam para a dança, pensei... o coitado do velho não vai agüentar nem a primeira dança...
Vilma sorriu, mostrando um colar de dentes raros e eu encabulado, tirava o meu cartão de visitas e dizia:
- Moacir Alfredo Guimarães, um cardíaco para lhes servir.
Sim, dona vida – viajar é preciso, viver não é preciso.


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