Trabalho apresentado no 18°Congresso Brasileiro de Psicodrama – Brasília, 2012. Atividade: Debate Temático sobre Intervenções Socionômicas e Exercício do Poder Político nos Grupos
O EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO NOS GRUPOS
As diferenças nas relações humanas e seus reflexos sociodinâmicos
Por Leonídia Alfredo Guimarães
As diferenças de poder nas relações humanas normalmente levam a tensões, conflitos, questionamentos e reconstrução de discursos a partir do contexto ideacional, relacional e político. Moreno dizia que as relações interpessoais decorrem do movimento empático em dupla via, produzindo escolhas sociométricas marcadas por sentimentos de aceitação, rechaço ou indiferença. Ou seja, embora a meta fosse atingir-se a complementaridade de papéis, vivemos encontros simétricos e assimétricos, consonantes ou dissonantes. O encontro de um Eu e um Tu disponíveis ao devir, com olhos nos olhos, face a face, lado a lado, de igual para igual, produzido no aqui e agora, permanece na obra Moreniana como ideal a ser alcançado. Ideais por vezes utópicos, inatingíveis.
Sabemos que em todos os tipos de relacionamento social existem limites operacionais, diferenciações e hierarquizações que definem os parâmetros relacionais não apenas em suas tonalidades afetivas. Existem barreiras para certos níveis de intimidade, autenticidade, espontaneidade e liberdade expressiva nas comunicações. Seja entre pais e filhos, patrão-empregado, marido-mulher, entre namorados, amigos, colegas, amantes fixos ou eventuais, etc.
E em cada relacionamento específico é esperado certo padrão de comportamento, bem como certa tendência à dominância ou submissão. Tais diferenças que podem emergir tanto da posição social que se ocupa em determinado contexto social, seja através das próprias características do papel em jogo, ou das características pessoais dos sujeitos envolvidos, como maior ou menor habilidade de comunicação, inteligência emocional na negociação de conflitos, habilidades socioculturais, diferentes níveis de experiência, sagacidade, poder persuasão e persistência, liderança, etc.
Os diferentes níveis de investimento, generosidade, permissividade, solidariedade e aceitação das diferenças, passam pelos ideais de satisfação pessoal que podemos chamar de “obscuridade das relações de intimidade” (Neves) que geram os desequilíbrios de poder nas relações interpessoais. Desequilíbrio que produz desgaste que também são considerados como um dos fatores da violência entre casais, amigos, colegas, pais e filhos, etc. Violência não apenas física, mas, sobretudo psicológica. (Neves, apud Célia Brandão, 2009).
Para algumas pessoas é mais fácil dominar através da sedução, do carinho e amizade. Outros preferem dominar a relação escondendo seus defeitos e mostrando apenas suas capacidades mais fortes. Uns até usam máscaras de fragilidade para ganhar a confiança do outro, mas ao sentirem-se ameaçados em seu poder, acabam agindo como inimigo seja através da hostilidade declarada ou daquela que se passa a “boca pequena”, como fofocas e boatos. Tudo isso faz parte da política usada nas relações humanas, destinadas a construir um imaginário coletivo que privilegia uns em detrimento de outros. São estas as correntes afetivas que trafegam nas redes sociais, atribuindo a cada indivíduo uma imagem pública mais ou menos respeitada.
Quando as partes envolvidas insistem em querer fazer valer suas posições, não se colocando aberta ao diálogo, ocorrem os rompimentos ou se envereda por anos a fio no caminho da competição.
O que precisamos ter em mente é que competir também é dialogar com poderes. E isto requer escuta atenta, reflexão constante e reconstrução de objetivos, intenções e metas. Pensar sobre o que ocorre nas relações humanas passa não apenas pelo interior das relações, muitas vezes a questão está no contexto, no entorno que fortalece ou fragiliza a solidificação de vínculos e parcerias para realizar projetos comuns que podem gerar mudanças capazes de abalar a estrutura do Poder existente.
Então, parece que a saída para certos impasses políticos, nos grupos, nem sempre é romper os vínculos, mas repensá-los em relação a este movimento pendular que ora aproxima o nosso olhar para dentro as relações interpessoais, sendo necessário avaliar se o que incomoda no outro não é exatamente o próprio reflexo da sua atitude pessoal. De repente, algum projeto que você acolheu pode não fazer mais parte dos seus anseios pessoais ou profissionais. Às vezes pela monotonia de uma rotina que se tornou enfadonha ou algo que ocupa muito tempo e não lhe interessa mais assumir. Se este for o caso, podemos limpar os afetos e desafetos relacionais que sofreram tais influências, sem prejudicar as relações interpessoais.
Da mesma forma, certas diferenças nos níveis de poder imanente podem gerar desequilíbrios nas estruturas individuais. O que nos remete a diferentes níveis de investimento e a aperfeiçoamento das estruturas organizacionais em relação aos seus membros. O despreparo técnico ou teórico dos membros de um grupo, por exemplo, pode levar a escolhas políticas equivocadas ou profissionalmente inadequadas.
Escolhas sociométricas baseadas apenas na afetividade pode tornar-se uma realidade caótica, caso as lideranças escolhidas não obedeçam minimamente os limites de competências padronizados pela cultura para o desempenho de papéis. Existem culturas mais ou menos autoritárias ou mais ou menos democráticas, neste sentido. Lideres mais permissivos que se permitem escolher os mais “fracos” com vistas a treinar seguidores e rechaçar os mais “fortes” por medo de vir a perder a liderança. Este tipo de estrutura grupal, ou institucional, normalmente são mais solidárias, mais exercem um forte poder controlador e coercitivo, sobre suas estruturas individuais.
O pior é que inconscientemente nos absorvemos ao longo da vida todas as características das estruturas sociais que pertencemos e estranhamos habitar outras formas distintas, por vezes mais exigentes e hostis. Pagamos um preço relativamente alto ao fazermos tais escolhas.
Penso que seja a partir dessa mixagem de valores socioculturais e interpessoais que surgem as armaduras e as diferentes formas de exercer o poder. O poder que direciona, estabelece e combate qualquer desvio às normas, estabelecendo a priori os papéis que devem ser jogados em complementaridade. O poder do Saber, do Pensar e do Fazer. Disso tudo pode ou não decorrer prazer e satisfação, ou descontentamento e frustação.
A Socionomia nos convida ao poder da coparticipação e da mudança via o equilíbrio desses poderes, idealizando parcerias que se movam para fora de si mesmo, com objetivos comuns traçados e aceitos pelos pares, não impostos por terceiros, mas negociados no grupo e entre os pares. Talvez seja este o poder transformador das relações humanas.
Concluindo... O poder se expressa nas diversas relações sociais, portanto, em todas as formas de intervenções psicodramáticas pode-se falar que existem Relações de Poder. E onde existem Relações de Poder, existe política. Por sua vez, a política se expressa nas diversas formas de poder.
Em termos da socionomia – que é a ciência que estuda as leis que regem ocomportamento social e grupal e as relações sociais em grupo, podemos entender as relações de poder como sendo a política relacionada a diferentes status sociométricos relacionados ao desempenho de diferentes papéis, em todas as dimensões da vida social. Por isso, em um sentido mais amplo, Max Weber afirmava que a política não se restringe apenas ao Estado ou ao campo institucional estatal. Weber afirmava, explicitamente, que a política permeia todas as atividades da vida cotidiana:
“Hoje, nossas reflexões não se baseiam,
decerto, num conceito tão amplo. Queremos compreender como política apenas a
liderança, ou a influência sobre a liderança, de uma associação política, e,
daí hoje, de um Estado” (WEBER, 1974, p. 97).
Então, conceber que o poder reside unicamente no Estado é um grande erro, pois existem várias relações de poder e estas estão presentes não apenas na máquina estatal ou institucional, mas também nas relações pessoais, amorosas, profissionais, familiares e de vizinhança. Conceituar as relações de poder somente interligadas ao campo institucional pode ser uma visão muito simplória. Por outro lado, conceber o Estado, as associações e instituições como pontos de referência do poder, não correspondem a toda sua amplitude, restritamente, minimiza o seu caráter extremamente amplo. A consciência dessas diferenças estabelece distintas escolhas em termos das lideranças que evoluem para a assunção e/ou delegação de diferentes papéis no grupo. Creio que seja neste nível de escolhas específicas que surgem as influências políticas que irão tecer a história de cada grupo em particular, para representá-los em diferentes momentos socioculturais e politicos.
Gostaria também que a plateia aqui presente, se posicionasse politicamente quanto a certa idéia corrente no nosso meio, de que a competência do psicodramatista se mostra mais através da prática, não do conhecimento teórico. Isto é algo que sempre me intrigou... Por que será que o pensar, refletir e escrever sobre nossos pensares e fazeres é seria menos importante? O que pensamos teoricamente nos compromete? Fazer psicodramas nos expõe menos?
Seria possível iluminar as sombras desse processo político que prioriza mais a ação que o pensamento e a palavra? Moreno de certa forma usou este argumento político contra a psicanálise, e tinha lá suas razões. E nós? Persistiremos neste discurso com vistas a destruir o quê?
Salvador, 05 de junho de 2012
Trabalho apresentado no
18°Congresso Brasileiro de Psicodrama – Brasília, 2012.Na Atividade Debate Temático sobre Intervenções Socionômicas e Exercício do Poder Político.
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