By Leonídia Guimarães

 Transcrição do Vídeo VI – O Cérebro ao Espelho


Walter Freeman: No processo de adaptação, desaprender é tão crucial como aprender. Aprendizagem é um reforço das conexões sinápticas. Para desaprendermos, para nos desfazermos de hábitos, as conexões sinápticas devem ser flexíveis. Mas este é um processo cumulativo através do qual as pessoas vão aprendendo, diferenciando-se cada vez mais umas das outras. E tudo que conhecemos sobre aprendizagem implica este processo, que nos compara com o dos outros. Ora, as lições mais importantes que nos chegam vêm da paleontogologia, da história da raça humana ao longo dos últimos 500 mil anos, talvez 3 milhões de anos: é a importância da socialização. Somos antes de tudo uma espécie social; e o cérebro não tem como única função controlar. É um órgão de socialização. Como nós conseguimos ultrapassar as barreiras que nos separam? O mecanismo que torna isto possível é a cooperação. Fazemos mais do que simplesmente agir: agimos em consonância. Há pouco tempo, descobrimos um grupo de hormônios que não servem propriamente para a aprendizagem, mas que são bastante ativos no que eu chamo de desaprendizagem, na adaptação uns aos outros, um processo que se assemelha a uma lavagem cerebral. Os gestos que nos habituam na socialização se encontram em todas as formas de doutrinamento: na religião, na política, no alistamento dos jovens para o exercito e que sofrem uma verdadeira lavagem ao cérebro, ou nas formas de integração que as empresas ou equipes desportivas empregam. Todas essas atividades que implicam uma fusão dos sentidos num funcionamento organizado exigem uma desaprendizagem, que é facilitada por uma substancia química chamada Ocitocina. Encontramo-las na rua sob o nome de Ecstasy: Ajuda a dissolver os estímulos sinápticos pré-existentes de uma forma seletiva, de forma a permitir a emergência de uma nova estrutura.

 Aprender e desaprender. É esta a atividade constante do nosso cérebro. E os neurocientistas sempre sonharam em compreender os segredos de uma sociedade de servos que cooperam entre si, ao invés de se isolarem em fundamentalismos e acabarem por se destruir no planeta.

Walter Freeman: Um arquétipo da cooperação é a dança. Em todas as tribos primitivas a dança é o elemento central do processo de socialização. É o ritmo que ajuda a juntar as pessoas para formar grupos que cooperam entre si. Isto é próprio dos humanos. É um mecanismo que envolve a secreção da Oxitocina. Ela não provoca a amnésia, pois as pessoas se lembram muito bem do que eram antes, e sabem o que são depois. Mas é essencial para a formação do laço social.
Sabemos muito pouco sobre este processo. Na verdade só no decurso deste último século, se tornou primordial para o futuro das neurociências o estudo do processo de socialização. O fato de existirem tantos conflitos no mundo, no nosso bairro, em cada uma das cidades em que vivemos, onde temos bandos de rua onde os jovens brincam com o futuro e perdem o rumo, tornando-se presas fácies para a formação de laços sociais, através desse processo. Como não os compreendemos, procuramos lutar contra eles, metendo-os na prisão.  Este é o fracasso das neurociências: não ter conseguido ainda compreender este aspecto da dinâmica do cérebro. E, ao mesmo tempo, um fracasso do nosso modelo de aprendizagem enquanto utensílio para desenvolver uma sociedade estável.

Este mecanismo do cérebro aproxima os neurocientistas do conceito de infinito dos antropólogos. O ser humano é humano justamente por desenvolver o seu papel social. E se este homem social não passasse de um cérebro social?

Ramachandram: Pergunto-me aonde tudo isto vai nos levar do ponto de vista ético e humanista. Porque acredito que chegará há uma altura que teremos uma compreensão profunda do cérebro, tal como hoje compreendemos o fígado. Aí, sim, estaremos em posição de controlá-lo. Isto já é possível com drogas como a cocaína e a heroína. Mas suponhamos que um dia possamos criar drogas não aditivas ou mesmo as de euforia, que nos possibilite um êxtase absurdo e sem limites, que nos tornem realmente felizes. Imagine que eu poderia pegar o meu cérebro, mantê-lo num boião, ligá-lo a alguns eletrodos e fazê-lo pensar, tornando-o fonte de alimentos felizes, possibilitando-o que visse Deus. Se eu pudesse fazer isso, estaria diante de uma escolha ética: Você poderia dizer-me que escolheria ser você mesmo, ou outros. Muitos recusariam esta possibilidade por conhecerem apenas o que são; o que são realmente. Mas o cérebro verdadeiro é o cérebro dentro do boião. E esse boião chama-se crânio. O cérebro está dentro de um boião, estimulado por flutões. Qual é a diferença? Com o que se passa algumas pessoas querem ser elas próprias e não o cérebro artificial. Onde é que está a fronteira? Este é o maior dilema mundial que a humanidade terá de enfrentar no futuro.

Com Galileu tivemos de admitir que a terra não é o centro do universo. Atualmente, estaremos nós preparados para aceitar a idéia de que a superioridade do homem no mundo dos seres vivos, a consciência, não passará de uma ficção coletiva?

- Todo mundo sabe como esmagar uma mosca, basta usarmos um mata-mosca. Mas a melhor forma de matarmos uma mosca, e concordo que a matemos baseado naqueles meus estudos, é aproveitarmos a sua atenção seletiva: quando usamos apenas um mata-moscas, a mosca olha para nós e foge. Mas, se nos aproximarmos da mosca com três dos nossos dedos, lentamente, a mosca vai fixar um dos dedos, depois outro e depois o terceiro. A sua atenção limitada será então repartida por três dedos. E aí poderemos a surpreender, porque a dada altura ela terá fixado o dedo errado, e então, é apanhada.

Fonte de Dados encontrada no Vídeo:
Tradução, Cenário e Entrevistas – Françoise Lindeman
Realização: Phillippe Bayaucq
Montagem: Véronique Maison    

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