O CÉREBRO AO ESPELHO

Transcrição do vídeo I - O CÉREBRO AO ESPELHO.

Há milênios que a abóbada celeste provoca fascínio no ser humano, que sempre quis desvendar os seus mistérios e viajar em uma das estrelas. O homem chegou a Lua e já sonha com Marte. Mas a ciência começou agora a sondar o nosso cosmos interior. O que sabemos nós desse órgão tão complexo quanto o universo que julga abrigar a essência do ser humano, a sua consciência? O que sabemos nós sobre o nosso cérebro?
Eu posso conter na palma da minha mão esta massa gelatinosa que pode contemplar a imensidade do espaço interestelar. Ela pode refletir sobre o infinito, sobre os anjos ou sobre Deus e pode mesmo observar-se a si mesma. Será o cérebro suficientemente complexo no pensamento que é capaz de produzir para conseguir decifrar e compreender os mecanismos que realmente presidem ao seu próprio funcionamento ou não? Como elaborar uma teoria sobre o cérebro que responda às nossas necessidades da atualidade? Essa é a principal questão que se põem as neurociências contemporâneas.
Ajudados pelos esclarecimentos fulgurantes da emergética médica, os neurocientistas descobriram os aspectos do funcionamento cerebral que revolucionaram nosso entendimento do ser humano e de sua vida em sociedade. Foi uma autêntica reviravolta na história das ciências.
Ao longo da história da humanidade houve momentos decisivos no plano das idéias. O primeiro foi a terra girar em torno do sol. Foi um grande choque. Houve quem recusasse e dissesse que não, que era o sol que girava em torno da terra. As pessoas não gostavam daquela idéia. E foi o primeiro choque de todos. O segundo foi o Darwinismo. As pessoas detestavam a idéia de que eramos todos descendentes dos símios. Este foi outro grande choque e gerou uma grande polêmica. Creio que outro choque será o fato de que nossa consciência não ter nada de especial. Na verdade, é apenas nosso mecanismo de atenção que se combina com nossas recordações. Há uma interação, interessante e única e cada um de nós é um ser diferente, mas nada mais do que uma mosca, ou cão ou gato. Esta consciência, tão própria do ser humano, não passará de uma combinação de atenção e de memória? Para podermos compreender os avanços da ciência temos que esquecer o passado, os seus preconceitos e as suas teorias.
Na evolução das idéias sobre o funcionamento do cérebro, encontramos duas abordagens diametralmente opostas. Segundo a primeira, as capacidades mentais como: visão, razão, memória e as emoções, são geridas por diferentes partes do cérebro. A isso se chama de abordagem modular.
No seu oposto, temos uma abordagem global, segundo o qual o cérebro funcionaria como um todo com zonas especializadas, como é o óbvio. Contudo, existe uma quantidade inacreditável de interações entre essas zonas especializadas. Esse é um retrato radicalmente diferente do cérebro, tal como era imaginado há 15 ou 20 anos. As conexões mudam constantemente para responder às mudanças do meio e as exigências sensoriais. Aqui imaginamos um sistema em constante equilíbrio dinâmico com o mundo exterior. O cérebro, o centro do conhecimento, aprende não através do armazenamento, mas antes através de uma permanente adaptação de sua rede de conexões.
Nós os animais vivemos num oceano de substâncias químicas. É de lá que vem nossa alimentação, é essa a fonte de nosso conhecimento sobre o outro, sobre os nossos predadores e sobre nossas presas. É isso que nos permite encontrar um abrigo ou parceiro. Para tudo isso servimo-nos essencialmente de nosso nariz. E na verdade quando estudamos a emergência do cérebro na história das espécies vemos que o nariz representou um papel essencial. O odor é a chave do desenvolvimento dos mecanismos neurológicos da intencionalidade. Para agir na infinita complexidade do mundo químico que nos rodeia, os animais tiveram que aprender a cheirá-lo, explorá-lo e a catalogá-lo. Nunca chegamos a identificar o conjunto das substâncias químicas nas quais estamos imersos, apenas as mais importantes, as que nossos sentidos aprenderam a reconhecer através de intermediários. Os neurotransmissores: Noradrenalina, acetilcolina, dopamina, serotonina. Esses neurotransmissores aprendem a identificar, de forma seletiva, o que é mais importante para nós.
O que torna o cérebro incrivelmente complicado são os circuitos. É um sistema que constrói a medida de aprendizagem dos circuitos novos, e a central é uma mutação, é uma continua mudança. Este movimento ininterrupto que torna o cérebro tão fascinante.
As zonas do cérebro cooperam entre si em grande escala, o cérebro tem uma enorme plasticidade que é essencial do ponto de vista teórico mas sobretudo no plano prático, para melhorarmos o controle da dor ou da recuperação depois de um ataque cerebral. Na verdade, é essencial no caso de qualquer perturbação neurológica. Antes pensávamos que um cérebro adulto já não refazia as suas conexões. O nosso trabalho mostrou que essas conexões podem evoluir mesmo num adulto. Por vezes o peso do equilíbrio das diferentes partes do cérebro muda como se um toque bastasse para reorganizar todo o cérebro.
Os seres vivos aprendem a catalogar o mundo, a fazer triagem das sensações, a fazer mapas mentais e os neurônios constroem redes de ligações. Esta dinâmica do cérebro, por vezes, imprevisível, foi descoberta por Walter Freemam, há 40 anos por acaso, no bulbo olfativo de um gato, a fonte principal da experiência sensorial e do conhecimento deste animal. Freemam se viu diante de um processo espantoso, caótico e em constante movimento. A sua contribuição fundamental foi ter colocado em evidência que ao cérebro não importa diretamente as informações do exterior. Ele descobriu que o cérebro leva o animal a agir, a identificar estímulos que vem do exterior, percebidos como pacotes de energia. Esses pacotes de energia desencadeiam a reação de alguns neurônios isolados e fazem aparecer a estrutura existente. As atividades dos neurônios reconstroem-se e o cérebro fabrica sua compreensão e o seu conhecimento da realidade. Contudo para construir esse conhecimento não basta um único índice, mas sim índices múltiplos.


Transcrição do vídeo II - O CÉREBRO AO ESPELHO

Contudo para construir este conhecimento não basta um índice único, mas sim índices múltiplos, repetidos. É preciso cheirar, farejar e farejar para construir o conhecimento que nos rodeia. Até o momento que com uma última inspiração basta alguns neurônios para desencadear o modelo de atividade. E encontramos o mesmo processo para audição e córtex auditivo; para visão e córtex visual e para o toque e córtex somatosensorial.
As pesquisas de Walter Freeman abriram caminho para um novo olhar sobre o funcionamento do cérebro.
A equipe de Morris Pito trabalha com cegos de nascença para compreender a capacidade dos neurônios de construir redes de ligações. Com a escada dos aparelhos de taks, conseguimos dar um passo de gigantes na compreensão do cérebro humano ao vivo. Se tirarmos uma radiografia do cérebro de um cego percebemos que é um cérebro com aspecto completamente normal a olho nú.
Em seguida, decidimos submeter o indivíduo a uma tak e pedimos simplesmente que lesse um texto em braille, enquanto tirávamos algumas fotos. Essa experiência foi feita por colegas de Harvard, esses indivíduos ativavam zonas visuais de leitura tal como um indivíduo com uma visão normal. Essa foi uma surpresa monumental, porque quando eu era estudante, insistia-se que quando um córtex deixava de ser alimentado, acabava por atrofiar e até mesmo desaparecer. Isso não é de todo verdade. Se tirarmos as medidas da ativação do cérebro de um cego em repouso, percebemos que a perfusão do cérebro ao nível de seu metabolismo é normal, mesmo na parte de traz do cérebro onde se encontram zonas visuais. Então concluímos que os cegos têm um córtex visual, o que é incrível. E este córtex tinha que ser procurado. Em vez de usarmos os olhos, uma vez que são destituídos de visão, usamos o toque ou a audição.
Na verdade, Morris Pito, usou uma forma do tato com a língua. Essa experiência é simples, uma vez que o córtex visual de um cego pode ser ativado com a leitura em braille, deve poder ser igualmente ativado por um outro sentido. Uma câmera de vídeo instalada na testa envia uma imagem grosseira transmitida sob a forma de pequenos impulsos elétricos, graças a um "aparelho" colocado na língua. São sentidos uma espécie de borbulhar que se desloca.
A aprendizagem é um fenômeno crucial. Todos os fenômenos plásticos dependem do treino. Quando demos início as nossas experiências, percebemos que no início da aprendizagem eles não mostravam qualquer ativação do lobo posterior nos regiões visuais do indivíduo que vê. Mas quando a aprendizagem começou a dar-se e eles melhoraram suas performances, nas diferentes tarefas, conseguimos ver ativações que pareciam ser da parte posterior do cérebro. Esta plasticidade que julgamos ser um despertar de conexões adormecidas entre essas regiões dependia da aprendizagem.
Os resultados que podíamos ver na tak, eram surpreendentes. O córtex visual destes cegos de nascença conseguiu integrar as informações provenientes do toque através da língua. A zona ativada por essas informações transmitidas à língua é que representava a cor e visão.
É verdadeiramente incrível poder transpor barreiras e contornar...
- Como é que conseguiu localizar os obstáculos para contornar?
- Eu podia ver um espaço à direita ou esquerda do cubo, que permitia passar por ele sem tocar. E segundo o ângulo de inclinação da minha cabeça, podia avaliar a distância e via como devia estar longe, ou seja, cerca de dois metros, mas neste caso a distância não ultrapassa o comprimento de meu braço.
O nosso cérebro é plástico e adaptável. Nós reagimos continuamente ao ambiente que nos rodeia. Todas as nossas apreciações, todas as nossas ações e adaptações têm um impacto sobre a organização do nosso cérebro. As células nervosas que são ativadas e desativadas permanentemente. As redes que se formam e se desfazem. A milhares de neurônios em colaboração.
Nós temos um nome para estas grandes populações de neurônios: neurópilo.
Os neurônios formam um tecido de fibras interligadas com axônios e dendritos, com os núcleos celulares e capilares e transportam substâncias nutritivas para que todo o sistema funcione. Isso é um "neurópio".
O primeiro das salamandras e das outras criaturas rastejantes como os répteis e mais tarde das aves, é um córtex formado por três camadas. Este córtex foi suficiente durante a época dos dinossauros, mas com o aparecimento dos mamíferos foi preciso uma mudança. Em vez de um córtex com três camadas, vimos aparecer um córtex com seis camadas. O que é incrível é que a partir daí, os cérebros passaram a ter uma nova possibilidade de crescimento e tornaram-se cem vezes melhores. Quando há uma competição entre um mamífero dotado de um neocórtex e um peixe ou um réptil, o mamífero tem de longe vantagem.
Os mamíferos são diferentes. O aspecto mais importante do neocórtex é a sua superfície. A forma como o cérebro pode aumentar, sem mudar seu volume, é o fato de se poder dobrar. Essa é a razão para qual os dois hemisférios em vez de serem planos, são percorridos por sulcos e comprimidos numa massa sólida que é suficientemente pequena para passar pou um útero no parto.

Transcrição vídeo III - O CÉREBRO AO ESPELHO

Antes do nascimento o córtex ainda não está em atividade. Os tecidos estão prontos a entrarem em ação para fazerem funcionar os pulmãos, mexer os músculos e permitir engolir. Só depois do nascimento é que o cérebro é ativado. É a partir do nascimento que o cérebro começa a tecer suas ligações nervosas. Grande parte da rede de um adulto forma-se durante sua infância, é o início da aprendizagem.
O nosso cérebro procura infinitamente formas de responder as nossas necessidades, mas não para ser afundado com a variedade de informações que nos rodeam, a que fazer uma triagem. Há mecanismos que nos permitem selecionar informações úteis, os cientistas chamam de atenção. O trafego exige bastante atenção e só conseguimos dar atenção a uma coisa de cada vez. É por isso que não podemos falar ao autofone enquanto conduzimos. Não podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo. Essa é a regra de base, só podemos dar atenção a uma coisa de cada vez.
Já todos vimos uma imagem com dois perfis que se parecem com duas caras e ao fundo temos o vaso. Ao alternarmos conseguimos ver as duas caras ou o vaso. Esta dinâmica de alternância é de certa forma uma alternância de atenção. Servirmo-nos de técnicas como as ilusões ópticas é uma forma de excluirmos todo o resto, para reduzirmos o que entendemos nestas duas coisa, então conseguimos perceber das mudanças de atenção que não notamos no nosso cotidiano, quando se passam mil e uma coisas ao mesmo tempo. Quando faço esta experiência com as moscas, elas são metidas numa arena e eu registro o que se passa no seu cérebro.
Elas olham para duas coisas, o sinal mais ou o quadrado e é tudo. Quando a atenção da mosca é atraída para uma das duas formas ela procura dirigir-se para ela, o que o sistema infravermelho de Bruno...detecta através do batimento das asas. Da mesma forma o sistema analisará o momento em que a mosca se desinteressa deste objeto ou o momento em que se fixa em outro. A mosca pode controlar o posicionamento de um objeto modulando o batimento de suas asas à direita ou à esquerda. Essa é a sua maneira de nos indicar as suas escolhas e nos dizer se ela quer fixar um objeto ou mudar de idéia e olhar para outro.
O cérebro humano contém milhares de neurônios e o de uma mosca cem mil. Com estruturas tão diferentes os seus cérebros conseguem fazer a mesma coisa como prestar atenção, por exemplo. Se tentarmos compreender esse fenômeno em um cérebro mais simples isso ajuda-nos a compreender o fenômeno em qualquer cérebro seja ou não de um mamífero. Não podemos esquecer o que a atenção faz por nós, tem como objetivo permitir a aprendizagem, memorizar o mundo num pequeno "boião" e fazer a pergunta: como é que eu vou reagir desta vez de acordo com o que aconteceu no passado. Isto os permite antecipar ou negligenciar uma ação. Podermos ignorar, essa é uma função importante do cérebro. Não é só a atenção das moscas que me fascina. Tenho três filhos e cada um tem a sua própria dinâmica de atenção. Podemos facilmente ver que as pessoas têm capacidades de atenção diferentes, há crianças que se mexem o tempo todo e sofrem de uma perturbação de vida uma atenção desordenada e no lado oposto temos crianças autistas que concentram sua atenção numa única coisa durante longo período. Os dois tipos de criança terão dificuldades de aprendizagem. Na verdade para funcionarmos com função otimizada necessitamos de uma alternância de atenção que seja adaptada ao mundo em que vivemos.
Se nos metermos a dar atenção a tudo depressa ficaremos submersos ainda que tenhamos cem milhões de neurônios, só conseguimos dar atenção a determinadas coisas de cada vez. Podem sobrepor-se dois esquemas de atividade, seja um sistema nervoso ou uma rede neuronal, precisamos da atenção para selecionarmos os locais precisos do campo de visão ou de determinados objetos para evitarmos uma espécie de sobrecarga sensorial.
O nosso cérebro faz uma triagem de forma a podermos evoluirmos nos nosso meio, nunca é passivo e tende a recriar a cada instante os seus próprios modelos. Deixemos de pensar em termos de imagens que se formam no cérebro. Trata-se antes de mais, de descrições simbólicas do mundo exterior, dos objetos, dos acontecimentos codificados sobre a forma de impulsos nervosos no cérebro. Temos milhares de milhões de neurônios que se ativam e essa ativação é diferente se olharmos para o meu dedo ou para uma rosa ou para uma pedra, e esse modelo espaço- temporal no meu cérebro, é rosa, ou pedra ou o meu dedo.
E isso é diferente e único para cada indivíduo, não há uma representação estável. O nosso conhecimento evolui constantemente em direção a novas formas, o que nos dá uma visão muito diferente da dinâmica do cérebro, que se forma a partir de vagas oscilações desencadeadas por um estímulo. Uma vez desencadeado o processo a atividade que o gerou desaparece e deixa de ter utilidade.
Na verdade, é isso que nos impede de sermos afogados em informação. Em cada movimento dos olhos, das orelhas, em cada inspiração, em cada toque, criamos de novo a nossa compreensão e nosso conhecimento do mundo.
Compor, recompor, associar, dissociar é que permite ao nosso cérebro produzir sentido.
Sendo assim, o cérebro é, não diria uma máquina, pois essa é uma compreensão pobre, mas sim, um órgão composto por células neuronais capazes de criar simulações do mundo exterior, fazer previsões úteis e gerar a ação que lhe for mais conveniente.
Nós temos apenas a consciência de uma fração deste trabalho fenomenal de nosso cérebro. Essa relação, entre o que é consciente e o que não é, faz parte dos novos campos de estudos dos neurocientistas.
Segundo as imagens que temos hoje, temos um pensamento consciente que ocupa nosso espaço mental inconsciente permanentemente, em paralelo instalamos a sua volta uma série de representação que são inconscientes. E através do que podemos chamar de espécie de mecanismos de corrida para acesso à consciência, uma competição, só algumas destas representações vão poder atingir o conteúdo consciente. O que fazemos conscientemente dada a altura das operações mentais inconscientes que não estão em execução. E a esta riqueza psicológica podemos ainda juntar outro aspecto esplendido, que é o fato desta vida inconsciente não estar acantonada nos andares inferiores do cérebro. As regiões neocorticais, ainda que são as mais recentes podem funcionar inconscientemente e construir representações inconscientes bastante complexas. Este consciente e inconsciente pode ser agora estudado por cientistas.

Transcrições de Silvana Sardá, retiradas do  Fúrum de Leonídia Guimarães Psicodrama em tempo de Conexões com a Neurociência e Autopoiese: Um Olhar sobre o Eu. In Rede de Conexões do 17° Congresso Brasileiro de Psicodrama - Ciclo Congresso Processual. Março de 2010.




Transcrições de Silvana Sardá, retiradas do  Fúrum de Leonídia Guimarães Psicodrama em tempo de Conexões com a Neurociência e Autopoiese: Um Olhar sobre o Eu. In Rede de Conexões do Ning, Congresso Processual do 17° Congresso Brasileiro de Psicodrama. Março de 2010.

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