By Leonídia Guimarães

Transcrição do Vídeo V – O Cérebro ao Espelho
Lionel Laccache: Ele vai responder que talvez eu tenha três mãos, ou talvez seja a mão de outra pessoa, talvez seja uma mão cortada que temos na sala, mas nunca admite que a mão é sua. Um exemplo: os princípios mostram que  dado enviado da consciência inclui sistematicamente essa camada de crença que chamamos de ficção. É fácil vermos que é ficção quando se trata de algo falso. Contudo, na maior parte das vezes nossas ficções são a superfície que consideramos verdadeira, são corretas. Se os interrogarmos sobre suas convicções políticas, sobre suas crenças e mesmo sobre sentimentos interpessoais, ou até mesmo sobre o seu relacionamento com os extraterrestres, vimos que surge uma diversidade de opiniões. Enquanto discutimos com nossos semelhantes vimos que, estas são coisas extremamente fortalecidas por uma convicção, por uma crença bastante poderosa.

As ficções são mais facilmente colocadas em evidência nos casos patológicos, mas cada indivíduo tem as suas. Para dar sentidos ao mundo em que vivemos, inventamos as nossas próprias ficções, as nossas próprias histórias. Cada indivíduo tem as suas, mas algumas se tornam ficções coletivas às quais aderimos com alguma facilidade. Para compreendermos como as construímos, comecemos por observar o outro:

Ramachandram: Há células que se ativam cada vez que o símio faz um gesto preciso, isso é conhecido já há 20 ou 30 anos, mas o que Giacomo Rizzolatti, na Itália, descobriu foi que alguns desses neurônios, a que chamamos “neurônios espelho”, também se ativam no símio que observa outro símio a puxar uma alavanca. O mesmo acontece com os humanos. Através de imagens funcionais podemos observar que uma zona do cérebro reage quando uma pessoa faz um gesto; e a mesma zona reage quando ela observa uma pessoa a fazer a mesma coisa. Isto tudo é espantoso, é como se sentíssemos a dor de outra pessoa. É por isso que eu gosto de chamar neurônios de empatia ou neurônios Dalai Lama. Na verdade, esses neurônios batem a barreira que existe entre nós e os outros. Esta é a base de várias tradições filosóficas e místicas, sobretudo orientais. Segundo as quais não existe qualquer diferença entre o nosso espírito e o outro. Essas tradições eram expressas em metáforas. Mas ao estudarmos estes neurônios podemos mostrar que, na verdade eles batem à sua maneira, a barreira que existe entre nos e os outros. Esta capacidade de imitar é o próprio fundamento da cultura humana, da transmissão da cultura. Em vez de um longo processo natural darwiniano, que leva centenas de milhares de anos, ou mesmo bilhões, podemos transmitir toda a informação numa só geração.

Estarão os neurônios espelho na base da transmissão dos conhecimentos? Serão eles os principais intervenientes nas nossas referências culturais como a representação artística ou simbólica?

Ramachandram: Sempre pensei na metáfora, seja na linguagem, seja na arte. Vou dar um exemplo saído da arte indiana: aqui o deus Shiva está com a sua companheira Parvati, que está sentada ao seu colo. Olham-se mutuamente, olhando também o mundo. A idéia transmitida é a de que o amor não é só olharmo-nos nos olhos de uma forma narcisista, mas sim olhar o conjunto do universo, o mundo a nossa volta. O que é mais interessante é notar que ele tem sua mão pousada como se fosse segurar bocas, pra beijar. Este gesto deve ativar os neurônios espelho no cérebro. Mas o artista exagerou no gesto e esses neurônios devem ser hiperativados para que possamos perceber, de forma tão vibrante, as delicias do amor. Se olharmos com mais atenção, este cenário torna-se uma espécie de metáfora de todas as dualidades da existência, dos pólos opostos como a noite e o dia, o mal e o bem, o preto e o branco, a felicidade e a tristeza, o homem e a mulher. Todas as dualidades e os antagonismos que caracterizam o mundo se esvaem. E é precisamente isto que vimos aqui, essa intimidade faz cair o muro que separa os opostos.

Estas dualidades passaram a ser uma grande preocupação para os neurocientistas. Para Walter Freeman o cérebro, órgão do individualismo é o órgão da socialização. E desaprender é tão fundamental como aprender:

Walter Freeman: Consideramos o cérebro como um órgão de adaptação que nos garante mais do que a própria sobrevivência, que nos permite agir para mudar as coisas. E que fique claro que o cérebro não faz tudo sozinho. O corpo está implicado em toda a sua totalidade. 

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